A denominada nova economia refere-se às profundas transformações que o mercado e a sociedade como um todo estão experimentando. Vivenciamos relevante evolução tecnológica, com hiperconectividade entre dispositivos quotidianos, maior interação entre os meios físico e digital, bem como extrapolação de limites geográficos, o que repercute nas relações comerciais, trabalhistas e consumeristas, entre outras.

No centro dessas rápidas transformações, estão as startups. Startup é uma empresa que nasce a partir de um modelo de negócio ágil e enxuto, capaz de gerar valor para seu cliente resolvendo um problema real, do mundo real. Oferece uma solução escalável para o mercado e, para isso, usa tecnologia como ferramenta principal” [1].

Empresas que desenvolvem modelos de negócio inovadores necessitam de recursos financeiros para criação de produto, capital de giro, mão de obra, expansão etc. Por constituírem empresas jovens que experimentam, dia a dia, suas inovações no mercado, não dispõem, em grande medida, de capital próprio para fazer frente aos gastos inerentes às suas atividades. Precisam, então, buscar capital externo. Todavia, em um país com créditos empresariais burocráticos e que ainda não assimilou a dinâmica da nova economia, as startups se valem de uma relevante figura nesse ambiente de inovação: o investidor.

Além do aporte financeiro, o investidor, em regra, fornece outros recursos importantes, como conhecimento, experiência e relacionamento, direcionando a startup para as melhores práticas e acelerando seu processo de crescimento, principalmente em estágios iniciais.

Não obstante, o investimento em startups é de altíssimo risco. Assim, é necessário um arcabouço normativo que confira segurança aos potenciais investidores. Conforme pontou o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), “vivemos um momento em que os juros no Brasil nunca estiveram tão baixos, e a gente precisa ter segurança jurídica para que aqueles que têm dinheiro, que querem investir e gerar trabalho e inovação — soluções para as nossas vidas — consigam colocar esse dinheiro nesses investimentos” [2].

A LC nº 123/2006 (alterada pela LC nº 155/2016), em seu artigo 61-A [3], contribui, ainda que de forma modesta, para a segurança jurídica do investidor, afastando a responsabilidade do investidor-anjo por dívidas da startup e impedindo que referido investidor seja alcançado pela desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 50° do Código Civil.

Embora constitua avanço, a norma merece análise mais detida
De início, ressalta-se que não há na lei em apreço definição de investidor-anjo, o que pode restringir indevidamente sua aplicação. Ademais, o afastamento de responsabilidade parece apenas se referir a este tipo de investidor (artigo 61-A, §4º), que nem mesmo está conceituado. Já quanto à desconsideração da personalidade jurídica, somente há afastamento expresso daquela prevista no Código Civil. Todavia, há outros diplomas legais vigentes (CDC e CLT, por exemplo) que preveem a aplicação de tal instituto, o que pode gerar mitigação da proteção ao investidor.

Com intuito modernizador, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 146/2019 (Marco Legal das Startups), apresentando importantes alterações que, entre outros, conferem maior segurança jurídica aos investidores.

O artigo 2º, II, traz definição de investidor-anjo“Investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes”. Referido dispositivo já afasta a responsabilidade desta importante figura no ecossistema de inovação.

Prossegue o projeto de lei complementar (PLP) estendendo o afastamento da responsabilidade por obrigações e dívidas da empresa a qualquer investidor, não restringindo referida proteção ao anjo, além de se referir a quaisquer das previsões legais de desconsideração da personalidade jurídica, não se cingindo à fixada no Código Civil:

“Artigo 5º — As startups poderão admitir aporte de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida pelas partes.
§1º. Não será considerado como integrante do capital social da empresa o aporte realizado na startup por meio dos seguintes instrumentos:
(…)
Artigo 8º — O investidor que realizar o aporte de capital a que se refere o artigo 5º desta Lei Complementar:
I – não será considerado sócio ou acionista nem possuirá direito a gerência ou a voto na administração da empresa, conforme pactuação contratual;
II – não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no artigo 50° da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no artigo 855-
A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos artigos 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras   disposições   atinentes   à   desconsideração   da personalidade jurídica existentes na legislação vigente”.

Outro marco de segurança ao investidor é a previsão expressa do contrato de mútuo conversível em participação societária (artigo 5º, §1º, IV). A despeito de haver previsão semelhante na Lei das Sociedades por Ações (debêntures conversíveis), não havia previsão legal expressa desse modelo contratual para startups, o que, por se tratar de uma das formas mais comuns de investimento em inovação, poderia representar preocupação ao potencial investidor.

Por fim, no PLP em apreço, o investidor pessoa física adquire uma prerrogativa de redução tributária. Nos termos do artigo 7º, para apuração de ganhos de capital auferidos com a venda de participações societárias, serão considerados os montantes perdidos em outros investimentos em startups. Atualmente, se um investidor aportar recursos em três startups, mas apenas em uma auferir ganhos com a venda de sua participação, a tributação incidirá sobre todo o valor de capital auferido. Com a nova regra, o tributo incidirá sobre o capital auferido após deduzidos os valores que o investidor perdeu nos dois investimentos que não vingaram, o que reduz a base de cálculo e, consequentemente, o valor do tributo.

Após a aprovação na Câmara dos Deputados, cabe agora ao Senado a apreciação do PLP, o que se aguarda com atenção. Há avanços que ainda precisam ser debatidos, como uma tributação mais justa. A pesada carga de tributária de até 22,5% é, manifestamente, desproporcional se comparada a investimentos em letra de crédito imobiliário (LCIs) e letra de crédito do agronegócio (LCAs) e fundos imobiliários (que são isentos de Imposto de Renda, preenchidos os requisitos legais), o que inibe o investidor de assumir os elevados riscos do investimento em empresas inovadoras.

O ecossistema de inovação brasileiro vem evoluindo bastante, mas há um longo caminho a ser percorrido. As empresas de inovação desenvolvem modelos de negócio que impactam diretamente o dia a dia de toda a sociedade — para se ter a real dimensão, basta citar as transformações propiciadas por UBER, AirBNB e Nubank, entre vários outros.

O mundo vivencia rápidas mudanças tecnológicas e comportamentais. O Brasil precisa, cada vez mais, desburocratizar e fomentar o desenvolvimento desse ambiente de negócios que se reinventa diuturnamente. Para tanto, deve buscar alternativas e novas ideias para tutelar e conferir segurança jurídica aos investidores, pois estes constituem peças importantíssimas nessa jornada.

Fonte: Conjur